sábado, 10 de março de 2012



CHICO, AS MULHERES E SEUS AMANTES


Chico Buarque sobre um palco é sempre um acontecimento, um happening para a cultura brasileira. Fortaleza aguarda ansiosa sua passagem. Se não vai ser em abril, como desejava a prefeita Luizianne Lins e seu staff, como atração do aniversário da capital cearense, que seja no final de maio como está planejado pela Arte Produções (de João Carlos Diógenes) dentro do braço nordestino da turnê Chico, que atualmente está em cartaz em São Paulo. Nesta segunda semana da temporada paulistana, pude conferir o alvoroço que Chico Buarque causa no público desta megalópole.

Poucos minutos antes do início do show, no hall do HSBC Brasil, Mário Canivello, assessor de imprensa de Chico Buarque, tinha me alertado para a diferença entre o público paulistano e o carioca. Segundo ele, o paulista parece mais frio e contido, presta atenção na hora da música, mas é efusivo e entusiasmado na hora das palmas. Isto é... é mais educado, menos histérico. Bem... não foi tão assim nesta noite de sexta (9). A galera estava até atiradinha a soltar gracejos com o artista e, em certo momento, até o desconcentrou. Chico até riu de algumas tiradas mais ousadas da plateia - e olha que não foi só a parcela feminina a soltar suas tiradas.

O HSBC Brasil é uma casa de shows espaçosa e confortável, na região Sul de São Paulo - bem distante da área da Paulista. A acústica não é perfeita mas é bem superior ao nosso sempre problemático Siará Hall (onde Chico se apresentou na última passagem por Fortaleza e forte candidata a novamente receber o artista este ano - mais na frente conto um pouco desta história). Com todos a postos em suas mesas ou balcões laterais, pontualmente às 22 horas, a casa baixa as luzes do salão e começa a série de vídeos dos patrocinadores e avisos tradicionais de não fumar (plenamente obedecido) e não fotografar ou filmar o espetáculo (já este é desobedecido, mas sem os exageros vistos aí em Fortaleza).

O show de fato começa por volta das 22h13min com o primeiro painel de Hélio Eichbauer (artista plástico que assina o belo cenário) subindo, descortinando a formação da banda tradicional e Chico entrando no palco para abrir os serviços com O Velho Francisco. A primeira coisa que chama atenção é a evolução como cantor que se mostrava nas turnês anteriores estagnou. Chico está ainda mais contido na voz, busca sempre os tons mais confortáveis, não arrisca voos. Mesmo assim busca variações aos arranjos originais, caminha pelos contracantos de forma elegante e sutil, amparado pelos vocais de Bia Paes Leme e o maestro Luiz Cláudio Ramos. Mesmo nos rápidos momentos que solta o violão e chega até a boca de cena, Chico o faz de maneira nervosa, rápida e dentro da máxima segurança possível - o público e o fato de ser uma persona pública ainda o amedronta e o deixa desconfortável.

Nota-se mais claramente o quanto Chico está contido quando Wilson das Neves sai de trás da bateria e ginga bonito com sua voz no dueto de Sou Eu, que emenda com Tereza da Praia, reinterpretando a clássica parceria de Dick Farney e Lúcio Alves. Aliás, já virou tradição os números de Das Neves nos shows de Chico, até porque o mestre da bateria tem ganhado bem mais espaço como compositor e cantor na música brasileira nestes anos de maturidade. Mais isso é mais pro fim do show. Antes Chico passeia por um repertório heterogêneo, abrindo grande destaque para as músicas do trabalho mais recente, que é executado por completo, começando por Querido diário, a música que causou polêmica pelo verso "Amar uma mulher sem orifício".

No palco, a inclusão do repertório completo do novo CD se justifica e o disco cresce, mostrando que é um trabalho bem mais acessível e redondo que os anteriores - o que pode ser notado pelo fato da plateia arriscar cantar alguns versos, coisa normalmente só constata durante os grandes clássicos da obra buarqueana. O que conclui-se que estas novas músicas estão ganhando tal status. Essa pequena e Se eu soubesse parecem ser as prediletas do público. Mas o ponto alto do repertório do show Chico é outro.

Sim, é quando Chico abre espaço para suas canções femininas que o espetáculo emociona, tira a plateia do sério, apimenta e os mais ousados respondem entusiasmados. Ele já arrebata o público com Bastidores, a música que compôs para Cauby Peixoto no início dos anos 80. E sim, os homens "bêbados e febris" também se rasgam por Chico Buarque, mesmo que ele evite os brilhos e prefira um discreto figurino todo no preto. Mas é com O Meu Amor, que ele nunca tinha cantado em show, Terezinha e Sob Medida que as temperaturas atingem seus níveis mais elevados. Chico as canta tímido e contido com sempre foi. Mas o público responde como se ele fosse o mais exuberante e dramático dos intérpretes. No meio disso aparecem Ana de Amsterdam e a sempre bela Anos Dourados.

Em meio a tantos clássicos, Geni e o Zepelim também se destaca. Pena que Cálice surja apenas como citação para saudar o "jovem artista" paulistano Criolo, rapper que se tornou revelação da música brasileira ano passado. A banda reforça o lado rock de Baioque, música que é resgatada no momento 'nordeste' do show, ao lado de A Violeira (outra de suas canções femininas), encerrado com Sinhá, a parceria de Chico e João Bosco que é um dos destaques do seu último disco. Então vem as músicas do bis devidamente programadas, mas nem por isso menos emocionadas para a plateia, especialmente na belíssima Futuros amantes. Sim, Chico tem admiradores e fãs que são verdadeiros amantes de sua obra de ontem e de hoje. E com certeza as futuras gerações continuarão amando Chico Buarque.

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